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Arte urbana em São Paulo é vitrine da história e da cultura brasileira

Os gigantescos murais grafitados em São Paulo retratam os problemas sociais que dizem muito sobre a história e vivência do Brasil

Por Redação
14 jun 2021, 16h13
arte urbana; são paulo; grafite; muralistas; questões sociais e raciais
(Victor Moriyama/CASACOR)

Quando Eduardo Kobra iniciou sua trajetória como artista, ele estampava as paredes da cidade de São Paulo com representações da vida urbana feitas furtivamente, enquanto perscrutava paredes sem vida durante a madrugada escuso dos carros da polícia.

Isso já faz parte do passado. Kobra é agora um muralista aclamado internacionalmente, e a maior cidade da América Latina, São Paulo, passou a abraçar – e até mesmo financiar – o trabalho de artistas que já foram perseguidos e difamados pelas autoridades.

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(Victor Moriyama/CASACOR)

A arte de grafitar muros prosperou muito durante a pandemia, à medida que os artistas encontraram consolo e inspiração sob o céu aberto nos meses em que galerias, museus e espaços para apresentações estavam fechados.

Inclusive, muitos dos murais pintados no ano passado abordaram a crise sanitária, que levou consigo mais de 480 mil brasileiros e foi um fator fundamental para aprofundar a polarização política no país.

Um deles tem autoria do próprio Kobra, que pintou um mural na fachada de uma igreja que mostrava crianças de diferentes religiões usando máscaras. 

“Deparar-se com essas obras de arte torna a vida da cidade mais humana, mais colorida e mais democrática”, disse Alê Youssef, secretário de Cultura de São Paulo. Desde 2017, a cidade gastou cerca de R milhões em projetos de arte de rua. 

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Grafitar: uma forma de protestar e existir

 

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(Victor Moriyama/CASACOR)

A arte do grafite decolou no Brasil na década de 1980, quando artistas foram buscar inspiração nas cenas do hip-hop e do punk de Nova York. Foi uma procura dominada por homens, alimentada em grande parte por artistas de comunidades marginalizadas.

Kobra conta que os rabiscos eram uma forma de rebelião por pessoas que se sentiam impotentes e invisíveis na metrópole fervilhante, que é o motor econômico do Brasil. “Essa foi uma forma de protestar, de existir, de divulgar meu nome através da cidade.”

De outdoors para grafites

 

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(Victor Moriyama/CASACOR)

Na década de 1990, São Paulo tinha poucos regulamentos para controlar anúncios publicitários em exteriores, como laterais de prédios e outdoors, que davam a impressão de uma paisagem urbana desordenada e poluída. Com a aprovação da Lei Cidade Limpa, em 2006, a cidade passou a proibir anúncios grandes e chamativos em exteriores.

Conforme os outdoors eram retirados, os muralistas começaram a tratar a repentina abundância de paredes nuas como convites para pintar – em um primeiro momento, sem a permissão da prefeitura.

“A arte pode resolver problemas cruciais do Brasil”

 

Esses gigantescos espaços em branco eram cativantes para Mundano, um conhecido muralista e grafiteiro de São Paulo que sempre foi avesso às obras expostas em galerias e coleções particulares. “Sempre me senti incomodado com a arte convencional porque era principalmente para as elites”, disse Mundano. “Nos anos 2000, saí às ruas com o intuito de democratizar a arte.”

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(Victor Moriyama/CASACOR)

Em 2014, Mundano começou a pintar carrinhos dos catadores de lixo, transformando-os em exposições itinerantes coloridas. “Sempre quis que minha arte fosse útil”, disse Mundano. “A arte pode resolver os problemas cruciais do Brasil”.

Uma delas, na visão de Mundano, é a tendência de muitos brasileiros de esquecer os momentos de trauma – fenômeno que está no cerne de seu trabalho como muralista.

“O Brasil é um país sem memória, onde as pessoas tendem a esquecer até a nossa história recente. Precisamos criar monumentos para os momentos que nos marcaram como nação“.

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(Victor Moriyama/CASACOR)

O mural “Trabalhadores de Brumadinho” é exatamente sobre isso. Ele homenageia os 270 trabalhadores mortos em janeiro de 2019 durante o rompimento de uma barragem de retenção de lodo em Minas Gerais. Mundano viajou até o local do acidente, onde coletou os mais de 550 quilos de lama usados na pintura do mural.

O mural é uma réplica da obra “Operários”, pintada em 1933 por Tarsila do Amaral. Mundano decidiu replicar a pintura anterior como uma forma de ressaltar o quão pouco mudou em quase um século. “Eles continuam oprimidos pelas indústrias”, disse o artista.

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O poder do grafite de uma mulher

 

A muralista Hanna Lucatelli Santos também é motivada por temas sociais, dizendo que se sentiu chamada a retratar a forma pela qual as mulheres demonstram a sua força. Ela descobriu o poder único dos murais quando, anos atrás, desenhou uma imagem que chamou de “mulher forte, mas delicada” em sua própria casa.

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(Victor Moriyama/CASACOR)

Santos procurou replicar esse efeito em uma escala maior pintando murais de mulheres serenas e místicas que olham fixamente para a cidade. Suas criações vão na contramão do retrato das mulheres na publicidade e na arte brasileira que reflete um olhar masculino.

Um de seus trabalhos recentes mostra a mesma mulher vista de frente e de trás. A imagem frontal inclui as palavras “Você percebeu que somos infinitos?”; já o outro lado mostra a mulher carregando um bebê nas costas. “Eu queria que as pessoas questionassem como a sociedade vê as mães”, disse. “Eu sei que uma mulher desse tamanho, uma mulher mística, tem o poder de mudar o ambiente abaixo dela, de equilibrar a energia da rua, que tende a ser tão masculina”. 

Fonte: NYTimes

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