Após o longo período de isolamento, retornar ao ritmo natural urbano e às relações sociais pode ser uma tarefa intrincada:
não só a convivência com as pessoas mudou, como nossa conexão com o entorno e com a cidade se transformou em algo novo, ainda em fase de adaptação. Para
Guto Requena, arquiteto especialista em habitação, design contemporâneo e cibercultura, uma peça-chave para melhorar a vivência da urbe é o uso do
mobiliário urbano, que pode atuar como catalisador social. “Imagine um ponto de ônibus que não é somente um espaço para sentar e se proteger da chuva e do sol, mas também um lugar para conectar as pessoas, convidá-las a refletir sobre questões, a se olhar e, eventualmente, conversar”, explica. Esse é o potencial que o profissional desenvolve com o
Juntxs, laboratório mantido por seu escritório há três anos, cujo objetivo é criar iniciativas e instalações imersivas em diferentes escalas e estimular sentimentos e conexões sociais. “Essas tecnologias afetivas podem aquecer, despertar sorrisos e convidar as pessoas a se conhecerem”, diz.
Mobiliário Urbano
O mais recente projeto do Juntxs é o
banco Trama, mobiliário urbano que atua como uma interface de expansão do nosso corpo no espaço: o móvel de madeira possui um sensor de batimentos cardíacos, um microfone e um alto-falante. Por meio desse conjunto,
é possível abrir um canal de comunicação com qualquer pessoa que também esteja usando um banco igual – seja um amigo na mesma praça ou um desconhecido em outra cidade. “Não se sabe para onde vai a mensagem, não tem nenhuma informação. Essa é a graça: descobrir e surpreender”, conta Guto. A conversa pode ser feita via voz ou pela troca de frequência do coração - nesse caso, um aparelho capta o batimento e transmite para a outra instalação, provocando um pulsar. Quem está sentado no segundo banco, sente como se o banco vibrasse. “A ideia é as pessoas dialogarem sem saber cor da pele, idade, gênero ou religião e imaginarem tramas afetivas, empáticas nessas diferentes regiões”, diz Guto. O projeto está pronto e o escritório negocia parcerias para viabilizá-lo em diversas cidades do Brasil.
Confira abaixo uma entrevista com o arquiteto Guto Requena. O Juntxs é um laboratório para estudos de empatia, design e tecnologia, criado há pouco mais de três anos. Esse projeto era um sonho antigo de faculdade, que era ter um laboratório com profissionais da área de tecnologia dentro do escritório de arquitetura. Hoje, o Juntxs conta com cientista da computação, programador de hardware e programador de software, que nos permitem fazer os experimentos de instalações interativas, experiências imersivas, óculos de realidade aumentada e uso de sensores.
Qual o papel que o mobiliário urbano pode exercer na cidade? Eu acho que uma das grandes paixões, minha e do estúdio, é repensar a superfície da cidade através do mobiliário urbano, adicionando novas tecnologias digitais nesse mobiliário e colocando novas camadas de poesia na cidade. Então, imaginar que um ponto de ônibus não precisa apenas ser um ponto de ônibus com lugar para sentar e se proteger da chuva e do sol, mas pode também ser um lugar para conectar as pessoas, convidá-las a refletir sobre questões, a se olhar, e, eventualmente, conversar e sorrir. Esse é o potencial que o Juntxs e o Estudio Guto Requena vêm desenvolvendo: imaginar que essas tecnologias afetivas podem aquecer, despertar sorrisos e convidar as pessoas a se conhecerem.
Você pode falar um pouco sobre o banco Trama? O banco Trama é um protótipo, ele já está todo detalhado, desenhado, tem orçamento e agora estamos justamente atrás de investimentos, de marcas e parcerias. A ideia é que esse banco possa ser instalado em lugares diferentes da cidade ou até em outras cidades. Ele é um banco, as pessoas podem sentar, mas existe um módulo interativo, onde a pessoa coloca o dedo e o sensor coleta o batimento cardíaco em tempo real. Depois, dispara esse batimento para os outros bancos que estão distantes por meio de
spikes que vibram. Então, quando as pessoas estão sentadas no banco de madeira, elas sentem o batimento cardíaco de alguém que está distante. É possível apertar outro botão e conversar. A ideia é que as pessoas possam dialogar sem saber a cor da pele, idade, gênero, religião, e imaginar que podem acontecer tramas afetivas, e empáticas nessas diferentes regiões, bairros e cidades.
Como funciona esse envio de batimentos cardíacos? Não se sabe para onde vai o batimento, não tem nenhuma informação. É justamente essa a graça: que elas possam abrir um canal de comunicação, descobrir e surpreender. Por exemplo, imagina que tem um banco na Avenida Paulista e um banco em Manaus, quando a pessoa abre o canal de comunicação, ela fala “estou sentindo seu batimento cardíaco, onde você está?". E a reposta: “Estou em Manaus. Quantos anos você tem?”. E assim por diante. A ideia é justamente que as pessoas não saibam das outras e que seja aleatório.
Como o batimento é representado? O batimento cardíaco é coletado em tempo real, por meio de um sensor, desenvolvido pelo Estudio Guto Requena. Estamos utilizando essa tecnologia em diversas instalações. Do outro lado, que chamamos de output, a pessoa sente uma vibração. Ela está sentada no banco e, de repente, começa a sentir o pulsar, como se o banco vibrasse em tempo real no batimento cardíaco de alguém que a pessoa não vê no momento.