"Isso não é arte, é uma mulher que faz bordado em casa". No contexto em que Madeleine Colaço iniciou o trabalho com os tecidos, a artista plástica e tapeceira lidou com discriminações que soavam como essa frase, conta o filho, Jorge Colaço. Ao contrário do que as palavras estigmatizantes diziam, as tapeçarias de Madeleine são mundialmente consideradas obras de arte, além darem vida a um método revolucionário de tecer, o chamado Ponto Brasileiro.
Na edição que inicia hoje da SP-Arte Rotas Brasileiras, as obras-primas de Madeleine estão em exposição junto a outras importantes mulheres da tapeçaria e das artes plásticas: Nara Guichon, conhecida por suas esculturas têxteis pendentes do teto, e Gilda Azevedo, que utilizou o método de Madeleine para criar peças de tapeçaria mural abstrata.
A seguir, conheça as obras e as histórias dessas 3 artistas em exposição que te esperam esta semana na SP-Arte.
Portão, por Madeleine Colaço
Portão, de Madeleine Colaço, década de 1960. - Silvia Balady/Divulgação / CASACOR
Misturando
cores, materiais com brilhos diferentes e um método autoral que, anos depois, viria a ser tombado como
Patrimônio Histórico Imaterial pela Prefeitura de Maricá, Madeleine Colaço deixou sua marca na tapeçaria nacional. Com a
tecnologia denominada Ponto Brasileiro, a tapeceira desenvolveu obras como
Portão, feita na década de 1960. "Ela transformou a tapeçaria em uma obra de arte devido
à qualidade e à brasilidade do seu desenho. Ela também era uma tremenda colorista, e ainda desenvolveu uma tecnologia única no mundo", comenta Jorge Colaço, filho de Madeleine que, por muitos anos, acompanhou de perto a carreira da mãe.
O legado de Madeleine consegue ir além das contribuições artísticas e estéticas ao mundo dos tecidos
— a tapeceira fez do próprio trabalho uma
ferramenta de transformação social no
Rio de Janeiro. Na penitenciária de
Bangu, Madeleine passava adiante seus conhecimentos ensinando mulheres encarceradas a confeccionarem tapetes; e no bairro do Espraiado, em Maricá, a artista causou
impacto nos índices sócio-econômicos ao ampliar as perspectivas de várias mulheres camponesas.
"Ela mostrou a importância de dar trabalho à mulher no campo. Ela manteve, com o bolso dela, uma escola no Espraiado, em Maricá, por 27 anos. Depois, um pesquisador do IBGE me telefonou dizendo que graças ao
ateliê da minha mãe, o IDH do Espraiado era igual ao IDH do centro da cidade", relata Jorge.
Lã Bordada, por Gilda Azevedo
Lã Bordada, de Gilda Azevedo, 1968 - Divulgação / CASACOR
Inspirada em Madeleine, Gilda Azevedo marcou a arte dos tecidos utilizando o Ponto Brasileiro para criar as obras mais ilustres da
tapeçaria mural abstrata. A partir de
tons terrosos, cinzentos e, ocasionalmente, verdes e brancos brilhantes, Gilda elaborou tapeçarias que dão vida a paisagens mágicas e inacessíveis. Segundo Graça Bueno, curadora e diretora da Galeria Passado Composto, "Gilda explora o grande espaço cósmico, oferecendo uma experiência que estimula o intelecto e a intuição por meio de um ritmo dinâmico e uma composição harmoniosa que representa a criação e o infinito". A
tapeçaria em lã de Gilda, que estará exposta nesta SP-Arte, foi concebida
para o ARTESANATO GUANABARA. Nesse ateliê, a tapeceira se tornou a artista com mais encomendas para o lugar durante os dez anos de parceria. Refúgio, por Nara Guichon
Carmo Johnson Projects. Nara Guichon. Refúgio, 2023. 131 x 141 cm. Redes de pesca, tintura de casca de cebolas, ferro de construção, tricô manual e enrolamento de fios - Núria Vieira - Núria Vieira/Divulgação / CASACOR
Diferentemente de Madeleine e Gilda, Nara Guichon não considera que faz tapeçarias: "Eu digo que faço esculturas têxteis, porque são poucas as minhas obras que são de parede, a maioria delas é pendente do teto. Por isso, elas estão mais para escultura do que para tapeçarias, embora a técnica possa ser de tapeçaria", explica a artista plástica. As obras de Nara
— a única ainda viva entre as três
— são desenvolvidas, segundo ela, a partir de três elementos:
a textura, a cor e o elemento reutilizado. O lixo oceânico é o seu principal ponto de partida: "A minha motivação é mostrar que esse lixo não é lixo, ele só está submerso. Essas redes são altamente poluentes, é poliamido e petróleo", afirma. Segundo a artista, a peça Refúgio, curada para a SP-Arte, reflete "o que está sendo feito no planeta", assim como todas as suas outras obras, ressalta Nara: "O meu trabalho vem para gritar pelo planeta!".Conectando os tecidos à preocupação com o meio ambiente, Nara desenvolveu o que ela chama de "tricot completamente desconstruído". Com quatro anos de idade, ela aprendeu a tricotar de modo convencional, e ao longo do tempo desenvolveu a própria expressão artística, que se traduz em seu trabalho atual; como conta a artista: "A minha criação vem de manusear o lixo, que muitas vezes eu tinjo com cascas de cebola, erva mate, cúrcuma, e acaba saindo o que sai. Não é um plano, é uma expressão espontânea". SERVIÇO: SP-Arte Rotas Brasileiras
28 agosto–01 setembro 2024
ARCA: Av. Manuel Bandeira, 360 - Vila Leopoldina (São Paulo - SP)
Horários
28 agosto: convidados
29–31 agosto: das 12h às 20h
01 setembro: das 12h às 19h
Ingressos
R$ 80 (inteira)
R$ 40 (meia-entrada)
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