Arquitetura

Mestres da Arquitetura: Oscar Niemeyer, o arquiteto da vida

A trajetória do mais conhecido nome da arquitetura moderna brasileira

por Ana Carolina Harada Atualizado em 16 mar 2018, 21h49 - Publicado em
29 jan 2018
15h01

Visionário, filósofo, arquiteto. Oscar Niemeyer Ribeiro Soares Filho nasceu no dia 15 de dezembro, no Rio de Janeiro. Sua vida longeva foi repleta de trabalhos icônicos, com os quais ganhou renome nacional e internacional. Porém, Niemeyer, mesmo após o centenário, sentia prazer em falar das obras presentes e futuras, tirando, do passado, apenas a sabedoria. Seus mais de 600 projetos ao redor do mundo surpreendem até hoje acadêmicos e leigos com as formas inesperadas, as curvas “infinitas” e um equilíbrio que parece impossível à primeira vista.

“Se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito”

Sua formação acadêmica foi de Engenheiro-Arquiteto, concluída em 1934, na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Dois anos antes de se formar, já trabalhava como estagiário no escritório de Lúcio Costa. Foi nessa equipe que conheceu o francês Le Courbusier, projetando, junto do futuro parceiro de longa data, o novo prédio para o Ministério da Educação e Saúde Pública.

O contato precoce com JK, ainda em 1940, permitiu que Niemeyer participasse de grandes obras públicas, tais como o conjunto da Pampulha e as sedes do governo da nova capital, Brasília, em 1956, que havia sido projetada por seu mentor, Lúcio Costa.

“Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo – o Universo curvo de Einstein”

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Militante de esquerda, Niemeyer se exila na França quando os militares tomam o poder em 1964. Longe da ditadura, ele assina a Sede do Partido Comunista na França. Quando volta ao Brasil em 1979, recebe o Prêmio Pritzker de Arquitetura e em 1996, é condecorado com outra honraria internacional, o Prêmio Leão de Ouro da Bienal de Veneza.

O profissional foi casado com Anita Baldo por 76 anos, até outubro de 2004, quando fica viúvo. Dois anos depois, casa-se com sua secretária, Vera Lúcia Cabreira. Além de arquiteto, trabalhou também como escritor, designer, desenhista e escultor.

Apesar de ter conquistado fama mundial pelos projetos, Niemeyer jamais deixou de ressaltar a solidariedade como o valor que importava acima de qualquer curva de concreto. No dia 5 de dezembro 2012, ele falece no Rio de Janeiro, aos 104 anos, deixando para trás um legado de vida que, definitivamente, é maior que a arquitetura.

“A vida é mais importante do que a arquitetura”

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O Artista do Modernismo

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(Reprodução/CASACOR)

“Oscar Niemeyer jamais foi um mestre da arquitetura, foi um gênio”, explica o professor e pesquisador de Arquitetura da FAU-USP, Rodrigo Queiroz. A obra de Niemeyer não influenciou o trabalho das gerações de arquitetos que sucederam, como o de alguns de seus contemporâneos influenciaram, porque suas criações são extremamente particulares.

Tanto na arte quanto na arquitetura moderna buscava-se uma maneira de excluir a individualidade do artista, valorizando mais o processo criativo e a austeridade do produto final do que os grandiosos rebuscamentos pretendidos pelo Barroco ou pelo Neoclássico. As casas de vidro de Mies Van Der Rohe e as pinturas de Mondrian são grandes exemplos da tradição modernista.

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(Reprodução/CASACOR)

Na arquitetura, especificamente, o objetivo eram as construções urbanas, novas propostas de cidade que poderiam ser replicadas em grande escala; um verdadeiro “estilo internacional”. As novas obras em vidro, aço e concreto apresentavam um verdadeiro contraponto aos imponentes prédios históricos que preenchem as cidades na Europa.

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(Reprodução Fundação Le Courbusier/CASACOR)

Foi no Novo Mundo, porém, que o Modernismo ganhou sua força plena. No Brasil, o peso do passado não se deitava sobre os ombros dos jovens arquitetos, que podiam, então, erguer projetos e mais projetos em cidades que começavam a crescer rapidamente, nos anos 1940 e 1950.

Edifício Esther, de Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho, o primeiro prédio modernista de São Paulo
Edifício Esther, de Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho, o primeiro prédio modernista de São Paulo (Reprodução/CASACOR)

A característica que diferencia e sobressalta Oscar Niemeyer dos demais nomes do Modernismo é sua capacidade de criar edifícios, casas e complexos em estilo moderno, mas possuindo identidade individual. Oscar trazia aos projetos e técnicas aprendidas na Escola de Belas Artes os elementos inesperados. As linhas de Niemeyer não são industriais, como uma reta ou um círculo perfeito. Suas amadas curvas são orgânicas, soltas, feitas pelo movimento de mãos humanas. Apesar das formas extraordinárias, os croquis são enxutos, permeados de uma forte ideologia de esquerda.

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(Reprodução/CASACOR)

Da mesma forma que o neoconcretismo e a bossa-nova, a arquitetura moderna se assemelha ao Samba de Uma Nota Só: impressionante pelo corte dos excessos, complexa nos processos e na ideologia. Como João Gilberto fez da voz uníssona sua marca, Oscar fez de sua arquitetura uma arte própria, assinada pelas formas.

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(Reprodução/CASACOR)
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Pampulha

“Sobre o Conjunto da Pampulha: era um protesto que eu levava como arquiteto, de cobrir a igreja da Pampulha de curvas, das curvas mais variadas, essa intenção de contestar a arquitetura retilínea que então predominava”

Um marco na arquitetura moderna, executado em concreto armado, com plantas livres e fachadas de vidro, o Conjunto da Pampulha é formado por cinco edifícios: a Igreja São Francisco de Assis, o Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha), a Casa do Baile (atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de Belo Horizonte) e o Iate Golfe Clube (hoje Iate Tênis Clube), todos cercando o lago de mesmo nome.

A obra foi encomendada pelo então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek para ser uma área esportiva e de lazer que aproveitasse o terreno. As curvas características de Niemeyer estão em umas construções, até mesmo na Igreja, nem um pouco ortodoxa. Nas paredes da Pampulha, estão obras de Cândido Portinari, Alfredo Ceschiatti, Augusto Zamoyski, Paulo Werneck e José Alves Pedrosa e do paisagista Roberto Burle Marx.

 

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Brasília

“Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras um gesto, uma palavra de afeto e solidariedade”

A cidade era um sonho antigo, remonta aos tempos de José Bonifácio, um nacionalista que desejava ver a capital no coração do seu país, em formato de cruz. Foi, contudo, somente em 1956, em plena política desenvolvimentista de JK, que Brasília ganha forma. O então presidente desejava deslocar a capital do Brasil do Rio de Janeiro para remoto e pouco ocupado Centro-Oeste do território. Para isso, mobilizou capitais nacionais e estrangeiros, um enorme contingente de trabalhadores e o arquiteto Lúcio Costa, para planejar o desenho urbano. A incumbência de erguer, nos eixos da cruz, os prédios que sediariam o governo, coube a Oscar Niemeyer.

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Edifício Copan

“Não entendo quem tem medo dos vãos livres. O espaço faz parte da arquitetura”

As curvas do Copan são reconhecíveis de longe para qualquer paulistano. Niemeyer anulou a inclinação natural do terreno com alguns andares de galerias inclinadas até chegar em um plano reto sobre o qual se apoiam 1160 unidades habitacionais divididas em blocos concretos.

A parte curva do prédio é leve e transparente, permeada pela luz que entra pelos brises e contorna as colunas, um contraste interessante com a base maciça, que permanece desocupada devido ao ângulo de declive.

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Museu de Arte Contemporânea de Niterói

“Eu não queria um museu de vidro, mas uma grande sala de exposições rodeada por paredes retas e por uma galeria que protege e permite que os visitantes façam uma pausa de vez em quando para apreciar a bela vista”

Uma única forma cilíndrica sustenta o círculo que lembra uma flor no MAC de Niterói. Foi necessário escavar e remover 5.500 toneladas de detritos para que o museu parecesse surgir do solo e do mar.

Uma rampa vermelha conduz os visitantes até as salas de exposição, sendo que a própria vista da Baía da Guanabara é exposição permanente.

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Museu Oscar Niemeyer

“Minha preocupação sempre é fazer uma coisa diferente, que provoque surpresa”

Eleito um dos 20 museus mais bonitos do mundo pelo guia norte-americano Flavorwire, em 2012, o MON leva o nome de seu célebre arquiteto. Inaugurado em 2002, o museu aproveita parte da estrutura administrativa da prefeitura de Curitiba, projetada em 1967 também por Niemeyer.

A sala de exposições superior, em formato de olho, tornou-se um ícone da capital paranaense. Cercado por um bosque e um parque, o museu se ergue com seu desenho inesperado para encantar todos que o visitam.

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