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Design

Xingu é tema da coleção tramada pelo grupo indígena Mehinako com a Yankatu

Intitulada Xingu, a nova coleção é fruto do encontro entre a designer Maria Fernanda com a etnia Mehinako, grupo indígena da Aldeia Kaupüna, no Alto Xingu

Por Redação

Atualizado em 20 ago 2020, 10:24 - Publicado em 14 ago 2020, 14:45

05 min de leitura
A aldeia Kaupüna, no Alto Xingu, localizada no sul da Floresta Amazônica.

A aldeia Kaupüna, no Alto Xingu, localizada no sul da Floresta Amazônica.(Stive Mehinako/)

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(Stive Mehinako / CASACOR)
A nova Coleção Xingu contou com inusitadas circunstâncias no seu desenvolvimento. As peças criadas surgiram do encontro virtual entre a designer Maria Fernanda Paes de Barros e a etnia Mehinako, localizada na Aldeia Kaupüna, no Alto Xingu, sul da Floresta Amazônica, no final do ano passado. “Xingu nasce a partir de um encontro entre passado e futuro, mas que se firma no presente, propondo novas maneiras de olharmos a tradição, com o respeito e admiração que ela merece. E, para essa produção, usamos a tecnologia para manter a comunicação em tempos de isolamento”, revela Maria Fernanda. A designer, pesquisadora e fundadora da Yankatu, se viu de improviso impossibilitada de retornar à aldeia Kaupüna, por conta das restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus no mundo. Foi então que surgiu a ideia de continuar a produzir as peças de forma virtual. O novo protocolo na dinâmica entre as partes levou Maria Fernanda a interagir à distância com os artistas da aldeia. As aulas das técnicas de tecelagem que ela faria in loco se transformaram em vídeos gravados e enviados via internet, com a ajuda de Stive Mehinako — artista e um dos representantes da comunidade. E, foi dessa forma virtual, que a coleção foi se materializando.
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(Divulgação / CASACOR)
Um dos destaques das peças foi a paleta de cores, que contou com o desenvolvimento de Maibe Maroccolo, de Brasília. A nova cartela surgiu a partir dos pigmentos extraídos das folhas e cascas de árvores nativas, encontradas na reserva, que com suas propriedades de tingimento coloriram os fios de algodão, usados nas esteiras produzidas pelas mulheres da aldeia. “Este projeto tem um gosto especial, pois a persistência e a criatividade uniram a Yankatu e a aldeia Kaupüna, nesse desenvolvimento mesmo com os obstáculos impostos pela realidade. Os fios tingidos pela Mattricaria com a matéria-prima colhida pelo Stive chegaram aqui e lá e, mesmo distantes, eu e as mulheres Mehinako tecemos uma nova história: elas produziram a esteira com buriti na aldeia, e eu produzi aqui em São Paulo. Assim aprendi com elas e teci, também”, comenta Maria Fernanda. Com a alma absorvida pelas vivências profundas pelos lugares que percorre, Maria Fernanda, à sua maneira, leva consigo uma dose de cada aprendizado, trazendo à superfície revelações em forma de peças carregadas de valor, como um manifesto em prol da identidade brasileira. “A cada viagem me torno mais humilde, percebo as diferenças, reaprendo a olhar, entendo significados através do lugar do outro”, explica.
Para desenvolver as peças da coleção, Maria Fernanda se inspirou nos objetos e elementos cotidianos do povo Mehinako e também de outras etnias. A peça, produzida em Cabreúva parda, tem gravuras pintadas em urucum e carvão por Kulikyrda Mehinako, com detalhes de colares de miçangas vermelhas, feitos por Kayanaku Aweti. O banco Embira foi inspirado na construção das ocas, com suas amarrações de tiras de casca de árvores. A peça, também em Cabreúva parda, ganha uma curvatura nas pernas, fazendo uma referência direta às estruturas das ocas. O Buffet Abrigo da Vida também segue os traços das ocas, com o destaque das portas de correr em madeira Cabreúva parda, que fazem uma releitura das tradicionais esteiras trançadas com palha de buriti. “Este trançado evoca a força, resiliência desse povo e a beleza de sua cultura”, lembra a designer. Já o armário Oca evoca a beleza desse trançado, propondo novas inserções da tradição da cultura Mehinako em móveis contemporâneos.
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(Divulgação / CASACOR)
Toda esta troca, este aprendizado são de grande valia para Maria Fernanda, que sempre procura encontrar uma contrapartida para auxiliar a comunidade envolvida em seus projetos. Além de remunerar os artesãos de forma justa, ela também se propôs a levantar fundos para aquisição de um barco a motor para tornar a aldeia autônoma na extração do buriti, utilizado tanto pelas mulheres em sua arte, quanto pelos homens na cobertura das ocas. “Precisamos tomar muito cuidado para que essas identidades não se percam, mas se fundam. A soma não deve subtrair ninguém. Quantas vezes, ao somarmos culturas, enxergamos apenas o total e nos esquecemos das partes? Aqui entra a missão da Yankatu, apresentar a tradição através de um novo olhar, destacando as partes com o que temos de mais belo e genuíno com equilíbrio, respeito e admiração”, finaliza.[newsletter]