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Curitiba celebra a pintura com mostras de dois nomes de peso da Geração 80

Delson Uchôa inaugura exposição na Sim Galeria e Gonçalo Ivo abre individual na Simões de Assis

Por Cristina Bava
Atualizado em 25 jul 2018, 12h01 - Publicado em 2 out 2015, 12h48

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As afinidades entre os dois artistas, que usam a cor com maestria em suas pinturas, estimulou a editoria de CASA COR a propor uma entrevista feita entre eles. O resultado foi uma conversa informal entre os dois grandes da pintura contemporânea. Veja a abaixo.

Gonçalo Ivo entrevista Delson Uchôa:

Gonçalo Ivo:  Você é dos raros artistas com a marca de arte popular, ao mesmo tempo você é interessado pelos clássicos. Fale um pouco sobre este encontro.

Delson Uchôa:  O criado está diretamente ligado à complexidade do criador, e os extremos não se tocam? Tenho interesse pela totalidade. A marca da arte popular que pode parecer notória para alguns se dá pela presença da alma do Brasil, o seja, o encanto do seu povo: eu pinto alegria, magia, religião; quero um semelhante de si mesmo. É no híbrido, no mestiço que encontro esse magma. Não é o Brasil que vem mostrando para o mundo que misturar dá certo? Lá atrás, no início da minha obra, olhando para a geometria dos parques de diversão e da pintura decorativa de carroceria e lameiras de caminhão é que vi a geometria da Bauhaus, e o neoplasticismo universal, dos fragmentos dessa colisão cultural nascem meus “autoidênticos”, uma pintura falante.  O rapsodo que se explica nele mesmo. Não sou fascinado pela arte popular, nem tampouco a coleciono.

GI:  Conte-nos sobre a apropriação das sombrinhas chinesas nas obras mais recentes.

DU:  As sombrinhas chinesas, meu último artifício no sentido de expandir a pintura e levá-la para a paisagem dentro do entorno do meu nato. As sombrinhas é o pigmento com que pinto e contamino a natureza com minha arte, decodifico a paisagem natural com pixels intrusos, ou seja: uma paisagem alterada ao meu sabor, transgênica; não é o pixel o menor ponto que forma uma imagem? Pois então, agora eu pinto a geografia, e tenho interesse pela imagem que essa pintura me dá. E a pintura ao ar livre quer também falar de coisas sérias, o pigmento (sombrinhas chinesas coloridas) é fruto do trabalho degradante e extremamente poluente da indústria chinesa. Pode a pintura tratar de geopolítica?

GI:  Você faz projetos, estudos ou vai direto ao trabalho?

DU:  Gosto do imediatismo, dos instantâneos, da ação, do fazer e da conversa que esses momentos me imprimem, é a partir deles  que brota a reflexão e o conceito, a longa e extrema conversa que tenho na direção da pintura, não deixo rascunho, não deixo resíduos, não fica lixo.

GI:  Como homem nordestino que você é como vê a paisagem e a cultura de Alagoas hoje? Que marcas de artistas dessa região, além dos populares, você tem?

DU:  Quando terminei em Alagoas o curso de Medicina me mudei para Paris. Fui em busca de outra formação. De volta ao Brasil, depois de uma temporada em Belo Horizonte, fixei residência no Rio de Janeiro durante toda a década dos anos 80. Tenho um forte tempero nordestino, mas minha formação artística não veio de lá, da paisagem cultural alagoana tenho muito apreço pela literatura, em especial pela obra deixada pelo poeta Jorge de Lima. Marcas de artistas dessa região, eu não sinto. Minhas referências mais antigas estão na história da arte universal, em seguida os artistas brasileiros da modernidade porque da contemporaneidade faço parte.

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Delson Uchôa entrevista Gonçalo Ivo:

Delson Uchôa:  A paleta da cor Gonçalo Ivo conversa com a temperatura do poeta alagoano Ledo Ivo, conheço uma publicação bem abalizada nesse sentido, você pode nos falar da convivência, da cumplicidade, do poeta com o pintor?

Gonçalo Ivo:  Depois da morte da minha mãe, tive grande interlocução com meu pai, o poeta Lêdo Ivo. As primeiras informações sobre pintura, literatura, teatro, etc., se deram em casa com a convivência com os mais variados artistas de estilos, propostas e interesses diferentes, João Cabral, Iberê Camargo, Manuel Bandeira, poetas da geração de 45, como José Paulo, Fernando Ferreira de Loanda, gente de teatro como Nelson Rodrigues. Eu era ainda um menino, porém marcado profundamente por esta gente que me interessava tanto. Vem daí a proximidade com essa palheta que não é só cromática, é emocional e humanista. Minha mãe era mineira, fomos no início dos anos 60 à Mariana, Ouro Preto, Congonhas, Sabará, etc, bem como quando eu ainda tinha alguns meses de idade meu pai me levou a Maceió para o meu avô, Floriano Ivo, que constatou que eu tinha saco roxo. Você sabe do que estou falando. Depois foram inúmeras idas ao Nordeste para visitar saudosos tios, tias, primos, e respirar o vento do mar e o cheiro dos canaviais.

Delson Uchoa:  Desde longa data anunciasse a morte da pintura. Há pouco tempo só o ato de pintar já pressupunha-se não ser contemporâneo, então, como continuar pintando em 2015?

Gonçalo Ivo:  Pintar é como respirar. Não se pergunta como fazer pois é algo imemorial, orgânico, natural de quem é destas paragens. Nunca me preocupei com teorias, com dogmas, com diktats. Muitos críticos e pensadores são pessoas infelizes, frustradas e mal amadas. Nós temos a vibração do sol ao nosso lado. Veja a vitalidade da sua pintura, a energia primitiva que ela engendra no sentimento do público. E é por isso que você e eu, almas diferentes mas navegando no mesmo mar, não naufragamos, e como na mitologia, regressaremos sempre à nossa ilha e afagaremos o nosso cão fiel.

Delson Uchoa:  Por que o Brasil e a França?

Gonçalo Ivo:  Meus pais Lêdo e Leda viveram na França logo após a guerra. A grande arte sempre esteve à minha frente como mito e desafio. O Brasil sou eu, é você, o Volpi, a Varejão, o Guerchman, o Guignard, a Beatriz, o Pancetti, o Batista da Costa, o Baden Powell, o Caetano, Cartola, o Nelson Cavaquinho, Villa Lobos, Goeldi, e muitos e muitos e muitos outros. Como diria o Gilberto Gil em Parabolicamará, o mundo hoje é pequeno. Na Europa vejo artistas croatas, belgas, portugueses, chineses, etc, que acrescentam muito à nossa experiência estética. Nos últimos dez anos tenho me aproximado da Espanha, mundo paralelo fascinante que tem me dado razões para ir adiante no meu trabalho. Não é Brasil e França, é Brasil e o resto do mundo. Não cederemos às modas nem às facilidades do mundo da arte que hoje é um sistema medíocre que tenta uniformizar os artistas, suas produções e propostas. Arte é testemunho da experiência pessoal intransferível de cada artista, pois cada um de nos tem sua voz própria, seu « timbre », seu estilo, mesmo quando esta voz é sutil e silenciosa, imensa como a obra de Maria Leontina e Agnes Martin.

SERVIÇO

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SIM Galeria – Alameda Presidente Taunay, 130 A – Batel – Curitiba – Tel.: (41) 3322-1818

Mostra Delson Uchôa: 1º a 31 de outubro de 2015

Simões de Assis Galeria de Arte – Alameda Dom Pedro II, 155 – Batel, Curitiba -Tel.: (41) 3232-2315

Individual de Gonçalo Ivo: 1º a 31 de outubro de 2015

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